quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Sonhos

"Às vezes construímos grandes sonhos em cima de grandes pessoas, mas com o passar do tempo, percebemos que grandes mesmo eram só os sonhos, pois as pessoas eram pequenas demais para eles"

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

versões de mim

Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos
ter sido.
Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número (Unzinho e eu
ganhava a
sena acumulada), topado aquele emprego, completado aquele
curso, chegado antes, chegado depois, dito sim, dito não, ido para
Londrina, casado com a Dralice, feito aquele teste.
Agora mesmo neste bar imaginário em que estou bebendo para
esquecer o que
não fiz - aliás, o nome do bar é Imaginário - sentou um cara do
meu lado
direito e se apresentou:

- Eu sou você, se tivesse feito aquele teste no Botafogo.

E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo
desconsolo.

- Por que? Sua vida não foi melhor do que a minha?

- Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei a
seleção. Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até que
um dia...

- Eu sei, eu sei... Disse alguém sentado ao lado dele.

Olhamos para o intrometido... Tinha a nossa idade e a nossa cara
e não parecia mais feliz do que nós. Ele continuou:

- Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único
gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um
medíocre propagandista.

- Como é que você sabe?

- Eu sou você, se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola como
me mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol
da vitória. Fui considerado o herói do jogo. No jogo seguinte,
hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e não me atirar.
Como era um herói, me atirei... Levei um chute na cabeça. Não
pude ser mais nada.Nem propagandista. Ganho uma miséria do
INSS e só faço isto: bebo e me queixo da vida. Se não tivesse ido
nos pés do atacante...

- Ele chutaria para fora. Quem falou foi o outro sósia nosso, ao
lado dele, que em seguida se apresentou.

- Eu sou você se não tivesse ido naquela bola. Não faria diferença.
Não seria gol. Minha carreira continuou. Fiquei cada vez mais
famoso, e agora com fama de sortudo também. Fui vendido para o
futebol europeu, por uma fábula. O primeiro goleiro brasileiro a ir
jogar na Europa. Embarquei com festa no Rio...

- E o que aconteceu? Perguntamos os três em uníssono.

- Lembra aquele avião da Varig que caiu na chegada em Paris?

- Você...

- Morri com 28 anos.

- Bem que tínhamos notado sua palidez.

- Pensando bem, foi melhor não fazer aquele teste no Botafogo...

- E ter levado o chute na cabeça...

- Foi melhor, continuou, ter ido fazer o concurso para o serviço
público naquele dia. Ah, se eu tivesse passado...

- Você deve estar brincando.

Disse alguém sentado a minha esquerda. Tinha a minha cara, mas
parecia mais velho e desanimado.

Quem é você?

- Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público. Vi que
todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas por
versões de mim no serviço público, uma mais desiludida do que a
outra. As conseqüências de anos de decisões erradas, alianças
fracassadas, pequenas traições, promoções negadas e frustração.

Olhei em volta. Eu lotava o bar. Todas as mesas estavam
ocupadas por minhas alternativas e nenhuma parecia estar
contente. Comentei com o barman que, no fim, quem estava com
o melhor aspecto, ali, era eu mesmo. O barman fez que sim com a
cabeça, tristemente. Só então notei que ele também tinha a
minha cara, só com mais rugas.

- Quem é você? Perguntei.

- Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice.

- E...?

Ele não respondeu. Só fez um sinal, com o dedão virado para
baixo...

Creio que a vida não é feita das decisões que você não toma, ou
das atitudes que você não teve, mas sim, daquilo que foi feito! Se
bom ou não, penso, é melhor viver do futuro que do passado!


(Luis Fernando Veríssimo)